domingo, 31 de maio de 2009

OAB/PE sem pauta?

Jornal do Commercio de 30 de maio: "Único candidato de oposição à presidência da OAB [seccional Pernambuco], Júlio Oliveira realizou ontem uma primeira plenária com a classe. Com o lema 'Transforme a OAB', Júlio defende, entre outros pontos, um controle maior dos cursos de Direito." A OAB está mesmo sem pauta. Na falta de musculatura para enfrentar os problemas dos Poderes Judiciário, Legislativo e Executivo estaduais, o candidato pela oposição decide ir pelo caminho mais fácil e mira seu discurso para um assunto que não é relativo ao cotidiano do advogado: ensino jurídico.

quinta-feira, 28 de maio de 2009

Escola Pública e Classe Média

28/05/2009 - 20h09
Nesta quinta-feira (28 de maio), o Presidente Lula responsabilizou a classe média pelo estado deteriorado das escolas públicas. Segundo o Presidente, "uma das razões pelas quais a escola pública foi se deteriorando é porque grande parte da classe média se afastou dela. Para não brigar [por qualidade], decidiu colocar os filhos na escola particular. E pagar na mensalidade de 3º ano primário o mesmo preço de uma universidade particular". A declaração foi proferida em Brasília durante o lançamento do Plano Nacional de Formação dos Professores da Educação. (ver notícia em http://educacao.uol.com.br/ultnot/2009/05/28/ult105u8133.jhtm)

Em artigo publicado no Jornal do Commercio, de Pernambuco, manifestamos a nossa opinião a respeito deste ponto de vista. Reproduzo o artigo abaixo.


DIVIDIR PARA SOMAR
Publicado em 05.12.2008
Evandro Menezes de Carvalho

A Câmara dos Deputados surpreende ao aprovar o projeto de lei que reserva metade das vagas das universidades federais para os candidatos que cursaram todo o ensino médio em escolas públicas. Os detratores deste projeto levantam três objeções: 1) estas cotas andam na contramão do mérito, 2) farão com que as universidades deixem de formar os melhores quadros para o País e, 3) são discriminatórias, pois somente um grupo, sobretudo a classe média branca e que estudou em escola privada, arcaria com as conseqüências desta medida.

Nenhuma dessas três objeções se sustenta. Quanto à primeira, o mérito dos aprovados no vestibular estará preservado. Os alunos das escolas públicas concorrerão entre si a 50% das vagas, e somente os melhores dentre eles terão acesso à universidade federal.
O mesmo raciocínio, por óbvio, aplica-se para os alunos oriundos das escolas privada. Ninguém é favorecido em detrimento do outro. Ninguém sai com 10 pontos à frente do concorrente na prova do vestibular só porque é negro, branco, pardo, índio etc. Além disso, uma vez aprovado, o universitário, independentemente de sua cor ou condição social, terá que demonstrar a sua competência acadêmica em condições de igualdade. Será avaliado pelos professores e estará sujeito às regras de jubilamento aplicáveis a todos os discentes, sem qualquer discriminação. O mérito não se revela apenas ao entrar na Universidade, mas em conseguir sair dela com o diploma na mão.
A segunda objeção manifesta um violento preconceito: os alunos de escolas públicas não teriam condições de se tornar bons quadros para o País.
Esta percepção desconfia não só da capacidade desses alunos, mas também dos professores e da própria universidade de transformar positivamente a vida do estudante. Ao atribuírem o sucesso da instituição apenas à qualidade do aluno ingressante, reforçam o desprezo que, paradoxalmente, nutrem pelas instituições públicas. O professor torna-se um elemento dispensável.

É por este motivo que, ao entrar na universidade, muitos alunos que estudaram em escolas privadas tratam de encontrar meios para não freqüentá-la a fim de ter mais tempo para fazer estágios ou cursos pagos preparatórios para concursos.
Grande parte das classes média alta e rica que deploram as cotas há muito abondonaram as universidades públicas. Desprezam-na. E neste desprezo sequer se mobilizam para lutar pelas melhorias do ensino superior. Isto ocorre porque não dependem totalmente delas.
Se é assim, então é melhor apostarmos nas cotas a fim de entregar o destino das universidades federais para quem depende delas e quer efetivamente nelas estudar. Este ponto de vista afasta a terceira objeção. Esta, aliás, ignora o outro lado da moeda: as décadas de discrimação infligidas contra os negros e as classes pobres que estudaram em escolas públicas.
O preconceito no Brasil vem de longe e ainda está muito vivo entre nós. E não é o caso aqui de discutirmos se ele é maior contra negro, pobre, mulher, nordestino, índio, deficiente etc. Ele existe e é implacável.
E este preconceito se alastra a partir do cume da sociedade que, do alto de sua ignorância quanto à realidade brasileira, esmera-se sem qualquer vergonha em defender o que lhe resta de patrimônio material - a gratuidade do ensino superior é uma delas.
É preciso que se diga a estas pessoas que as universidades federais devem estar a serviço do povo e, sobretudo, ser do povo. Se isto, hoje, é retórica, amanhã poderá vir a ser realidade com a efetiva promulgação do projeto de lei.
Por fim, outras conseqüências positivas advirão com estas cotas. As famílias de classe média que não têm condições de pagar por uma boa escola privada poderão considerar a opção de pôr o seu filho em uma escola pública.
Isto produzirá demandas para a melhoria da qualidade do ensino médio nestas escolas. Outro aspecto positivo reside no fato de as cotas favorecerem o convívio e a aprendizagem em um ambiente plural e diversificado - um pedaço do Brasil real. A nova elite que surgirá daí saberá dialogar e tirar o melhor das diferenças.

quarta-feira, 13 de maio de 2009

A ausência do professor de direito

Publicado no Jornal do Commercio em 13.05.2009
A formação em direito no Brasil tem sofrido profundas alterações nestes últimos anos. A proliferação dos cursos jurídicos acarretou a ampliação do número de alunos, bacharéis e professores de direito. Desde o início deste processo, o MEC e a OAB buscaram fixar padrões de qualidade para os cursos jurídicos. Exigiu-se, entre outras medidas, a inclusão de novos conteúdos no currículo, uma quantidade mínima de livros na biblioteca, uma estrutura adequada e compatível para as atividades de prática jurídica, contratação de professores em regime de tempo integral e com titulação de mestre ou doutor. Foram medidas necessárias mas que, atualmente, dão sinais de insuficiência.
Porém, não houve mudança substancial no modelo de ensino jurídico, que ainda é o mesmo de décadas passadas. O professor ainda é visto como uma autoridade, suas aulas assumem invariavelmente a forma de palestras e as avaliações que aplica resumem-se a testar a capacidade do aluno de decorar artigos de lei. Os alunos, por sua vez, não frequentam as bibliotecas, não questionam o que aprendem e continuam presos aos manuais. Os vícios do passado persistem. Não se estimula a interdisciplinaridade, não se cobra a leitura, o professor não faz pesquisa por falta de condições ou de interesse, nem aprimora as metodologias de ensino e de avaliação. O modelo de organização da gestão acadêmica é outro componente que carece de inovação. Ele é geralmente voltado para a gestão do currículo.
A superação deste estado de coisas parece não mais depender tanto do MEC ou da OAB. A solução tem que vir daqueles que estão envolvidos direta e efetivamente com o processo de ensino-aprendizagem, ou seja, dos professores e dos gestores. Isto requer uma mudança de atitude. Alguns obstáculos impedem, contudo, esta mudança em breve tempo. São eles: 1) a feroz concorrência de preços entre as faculdades privadas, derrubando para níveis críticos a qualidade do ensino, e 2) a falta de profissionalização na área da educação superior em direito.
São poucos os professores que se dedicam exclusivamente ao ensino, à pesquisa e à gestão acadêmica. A grande maioria deles exerce outras atividades: advocacia, magistratura, preparação para concursos, etc. Entre os que querem viver do ensino, muitos ainda dividem o seu tempo e sua preocupação com o mestrado ou o doutorado.
Este quadro é do conhecimento da Associação Brasileira de Ensino do Direito (Abedi) que, em encontro realizado no mês de abril, no Rio de Janeiro, decidiu abrir uma agenda de trabalho focada no profissional da educação jurídica. Trata-se daquele professor que produz conhecimento inovador com base em pesquisa séria, que se envolve com o projeto pedagógico da instituição de ensino superior ao qual está vinculado, que acompanha o desenvolvimento acadêmico de seus alunos, que aprimora os seus métodos de ensino e de avaliação, que faz uso das novas tecnologias em favor do ensino, que estabelece projetos interinstitucionais envolvendo diversos setores da sociedade e áreas do conhecimento. Este profissional é elemento-chave para a transformação do ensino jurídico brasileiro.
É por isto que a Abedi reclama a volta do professor em boa hora. Ignorar este reclame é persistir no erro de que o direito pode prescindir dos profissionais da educação jurídica – justamente aqueles que têm o dever de ser a consciência crítica da cultura jurídica brasileira por não terem compromisso com o poder.

Evandro Carvalho é coordenador da graduação da FGV Direito-Rio

domingo, 10 de maio de 2009

Língua e Poder

Os nacionalistas africanos não ficaram à espera que um vocabulário apropriado nascesse nas línguas maternas dos seus países.

Mia Couto *

Na bela cidade de Durban, falávamos eu e outros escritores africanos da surpresa do modo como, no Zimbabwe, tantos ainda apoiam Robert Mugabe. Havia, no grupo, escritores de vários países de África. Aproveitámos o que melhor há nas conferências literárias: os intervalos. A nossa perplexidade não se limitava ao caso zimbabweano. Como é que povos inteiros, em outras nações, se acomodaram perante dirigentes corruptos e venais. De onde nasce tanta resignação?

Uma das razões dessa aceitação reside na forma como as línguas se relacionam com conceitos políticos da modernidade. Por exemplo, um zimbabweano rural designa os seus líderes nacionais como entidades divinizadas, fora das contingências da História e longe da vontade dos súbditos. O mesmo se passa em quase todas as línguas bantus. A questão pode ser assim formulada: como pensar a democracia numa língua em que não existe a palavra «democracia»? Num idioma em que «Presidente» se diz «Deus»? Nas línguas do Sul de Moçambique, o termo para designar o chefe de Estado é «hossi». Essa mesma palavra designa também as entidades divinas na forma dos espíritos dos antepassados, traduzindo uma sociedade em que não há separação da esfera religiosa.

Parece uma questão de ordem linguística. Não é. Trata-se do modo como se organizam as percepções e as representações que uma sociedade constrói sobre si mesma. A sacralização do poder não pode casar com regimes em que se supõe que os líderes são escolhidos por livre votação. Numa sociedade em que os súbditos se convertem em cidadãos. Esse assunto escapa muitas vezes a quem se especializou em organizar seminários sobre cidadania e modernidade em África. A problemática política é vista, quase sempre, na sua dimensão institucional, exterior à intimidade dos cidadãos. Quando o participante do seminário explicar à sua comunidade o conteúdo dos debates usará a sua língua materna. E sempre que se referir ao Presidente ele fará uso do termo «deus». Como pedir uma atitude de mudança nestas circunstâncias? O que se pode fazer? Será que os falantes destas línguas estão condenados à imobilidade por causa desta inércia linguística?

Na realidade, existem tensões entre a lógica interna de algumas destas línguas e a dinâmica social. Estas tensões não são novas e sempre foram resolvidas a favor da adaptação criativa e da criação de futuro. Já no passado, as culturas africanas (e todas as outras em todos os continentes) tiveram que se moldar e se reajustar perante aquilo que surgia como novidade. Eu mesmo testemunhei o modo veloz como as línguas moçambicanas se municiaram de instrumentos novos, roubando e apropriando-se de termos não próprios. Com o uso generalizado esses termos acabaram indigenizando-se. Sem drama linguístico, sem apoio de academias nem de acordos ortográficos os falantes dessas línguas «pediram» de empréstimo palavras de outros idiomas.

Moçambique é, nesse domínio, um caldeirão dessas mestiçagens. Os nacionalistas africanos não ficaram à espera que um vocabulário apropriado nascesse nas línguas maternas dos seus países. Eles começaram a luta e essa mesma dinâmica contaminou (mesmo com uso de termos e discursos inteiros em português) as restantes línguas locais. Tudo isto nos traz a convicção do seguinte: a capacidade de questionar o presente necessita de língua portadora de futuro. A necessidade de sermos do nosso tempo e do nosso mundo exige línguas abertas ao cosmopolitismo. África – tantas vezes pensada como morando no passado – já está vivendo no futuro no que respeita à condição linguística: quase todos africanos são multilingues. Essa disponibilidade é uma marca de modernidade vital. O destino da nossa espécie é que cada pessoa seja a humanidade toda inteira.

Crónica de Mia Couto, escritor moçambicano, publicada na edição de Abril da revista África 21.