quarta-feira, 13 de maio de 2009

A ausência do professor de direito

Publicado no Jornal do Commercio em 13.05.2009
A formação em direito no Brasil tem sofrido profundas alterações nestes últimos anos. A proliferação dos cursos jurídicos acarretou a ampliação do número de alunos, bacharéis e professores de direito. Desde o início deste processo, o MEC e a OAB buscaram fixar padrões de qualidade para os cursos jurídicos. Exigiu-se, entre outras medidas, a inclusão de novos conteúdos no currículo, uma quantidade mínima de livros na biblioteca, uma estrutura adequada e compatível para as atividades de prática jurídica, contratação de professores em regime de tempo integral e com titulação de mestre ou doutor. Foram medidas necessárias mas que, atualmente, dão sinais de insuficiência.
Porém, não houve mudança substancial no modelo de ensino jurídico, que ainda é o mesmo de décadas passadas. O professor ainda é visto como uma autoridade, suas aulas assumem invariavelmente a forma de palestras e as avaliações que aplica resumem-se a testar a capacidade do aluno de decorar artigos de lei. Os alunos, por sua vez, não frequentam as bibliotecas, não questionam o que aprendem e continuam presos aos manuais. Os vícios do passado persistem. Não se estimula a interdisciplinaridade, não se cobra a leitura, o professor não faz pesquisa por falta de condições ou de interesse, nem aprimora as metodologias de ensino e de avaliação. O modelo de organização da gestão acadêmica é outro componente que carece de inovação. Ele é geralmente voltado para a gestão do currículo.
A superação deste estado de coisas parece não mais depender tanto do MEC ou da OAB. A solução tem que vir daqueles que estão envolvidos direta e efetivamente com o processo de ensino-aprendizagem, ou seja, dos professores e dos gestores. Isto requer uma mudança de atitude. Alguns obstáculos impedem, contudo, esta mudança em breve tempo. São eles: 1) a feroz concorrência de preços entre as faculdades privadas, derrubando para níveis críticos a qualidade do ensino, e 2) a falta de profissionalização na área da educação superior em direito.
São poucos os professores que se dedicam exclusivamente ao ensino, à pesquisa e à gestão acadêmica. A grande maioria deles exerce outras atividades: advocacia, magistratura, preparação para concursos, etc. Entre os que querem viver do ensino, muitos ainda dividem o seu tempo e sua preocupação com o mestrado ou o doutorado.
Este quadro é do conhecimento da Associação Brasileira de Ensino do Direito (Abedi) que, em encontro realizado no mês de abril, no Rio de Janeiro, decidiu abrir uma agenda de trabalho focada no profissional da educação jurídica. Trata-se daquele professor que produz conhecimento inovador com base em pesquisa séria, que se envolve com o projeto pedagógico da instituição de ensino superior ao qual está vinculado, que acompanha o desenvolvimento acadêmico de seus alunos, que aprimora os seus métodos de ensino e de avaliação, que faz uso das novas tecnologias em favor do ensino, que estabelece projetos interinstitucionais envolvendo diversos setores da sociedade e áreas do conhecimento. Este profissional é elemento-chave para a transformação do ensino jurídico brasileiro.
É por isto que a Abedi reclama a volta do professor em boa hora. Ignorar este reclame é persistir no erro de que o direito pode prescindir dos profissionais da educação jurídica – justamente aqueles que têm o dever de ser a consciência crítica da cultura jurídica brasileira por não terem compromisso com o poder.

Evandro Carvalho é coordenador da graduação da FGV Direito-Rio

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