quinta-feira, 28 de maio de 2009

Escola Pública e Classe Média

28/05/2009 - 20h09
Nesta quinta-feira (28 de maio), o Presidente Lula responsabilizou a classe média pelo estado deteriorado das escolas públicas. Segundo o Presidente, "uma das razões pelas quais a escola pública foi se deteriorando é porque grande parte da classe média se afastou dela. Para não brigar [por qualidade], decidiu colocar os filhos na escola particular. E pagar na mensalidade de 3º ano primário o mesmo preço de uma universidade particular". A declaração foi proferida em Brasília durante o lançamento do Plano Nacional de Formação dos Professores da Educação. (ver notícia em http://educacao.uol.com.br/ultnot/2009/05/28/ult105u8133.jhtm)

Em artigo publicado no Jornal do Commercio, de Pernambuco, manifestamos a nossa opinião a respeito deste ponto de vista. Reproduzo o artigo abaixo.


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Publicado em 05.12.2008
Evandro Menezes de Carvalho

A Câmara dos Deputados surpreende ao aprovar o projeto de lei que reserva metade das vagas das universidades federais para os candidatos que cursaram todo o ensino médio em escolas públicas. Os detratores deste projeto levantam três objeções: 1) estas cotas andam na contramão do mérito, 2) farão com que as universidades deixem de formar os melhores quadros para o País e, 3) são discriminatórias, pois somente um grupo, sobretudo a classe média branca e que estudou em escola privada, arcaria com as conseqüências desta medida.

Nenhuma dessas três objeções se sustenta. Quanto à primeira, o mérito dos aprovados no vestibular estará preservado. Os alunos das escolas públicas concorrerão entre si a 50% das vagas, e somente os melhores dentre eles terão acesso à universidade federal.
O mesmo raciocínio, por óbvio, aplica-se para os alunos oriundos das escolas privada. Ninguém é favorecido em detrimento do outro. Ninguém sai com 10 pontos à frente do concorrente na prova do vestibular só porque é negro, branco, pardo, índio etc. Além disso, uma vez aprovado, o universitário, independentemente de sua cor ou condição social, terá que demonstrar a sua competência acadêmica em condições de igualdade. Será avaliado pelos professores e estará sujeito às regras de jubilamento aplicáveis a todos os discentes, sem qualquer discriminação. O mérito não se revela apenas ao entrar na Universidade, mas em conseguir sair dela com o diploma na mão.
A segunda objeção manifesta um violento preconceito: os alunos de escolas públicas não teriam condições de se tornar bons quadros para o País.
Esta percepção desconfia não só da capacidade desses alunos, mas também dos professores e da própria universidade de transformar positivamente a vida do estudante. Ao atribuírem o sucesso da instituição apenas à qualidade do aluno ingressante, reforçam o desprezo que, paradoxalmente, nutrem pelas instituições públicas. O professor torna-se um elemento dispensável.

É por este motivo que, ao entrar na universidade, muitos alunos que estudaram em escolas privadas tratam de encontrar meios para não freqüentá-la a fim de ter mais tempo para fazer estágios ou cursos pagos preparatórios para concursos.
Grande parte das classes média alta e rica que deploram as cotas há muito abondonaram as universidades públicas. Desprezam-na. E neste desprezo sequer se mobilizam para lutar pelas melhorias do ensino superior. Isto ocorre porque não dependem totalmente delas.
Se é assim, então é melhor apostarmos nas cotas a fim de entregar o destino das universidades federais para quem depende delas e quer efetivamente nelas estudar. Este ponto de vista afasta a terceira objeção. Esta, aliás, ignora o outro lado da moeda: as décadas de discrimação infligidas contra os negros e as classes pobres que estudaram em escolas públicas.
O preconceito no Brasil vem de longe e ainda está muito vivo entre nós. E não é o caso aqui de discutirmos se ele é maior contra negro, pobre, mulher, nordestino, índio, deficiente etc. Ele existe e é implacável.
E este preconceito se alastra a partir do cume da sociedade que, do alto de sua ignorância quanto à realidade brasileira, esmera-se sem qualquer vergonha em defender o que lhe resta de patrimônio material - a gratuidade do ensino superior é uma delas.
É preciso que se diga a estas pessoas que as universidades federais devem estar a serviço do povo e, sobretudo, ser do povo. Se isto, hoje, é retórica, amanhã poderá vir a ser realidade com a efetiva promulgação do projeto de lei.
Por fim, outras conseqüências positivas advirão com estas cotas. As famílias de classe média que não têm condições de pagar por uma boa escola privada poderão considerar a opção de pôr o seu filho em uma escola pública.
Isto produzirá demandas para a melhoria da qualidade do ensino médio nestas escolas. Outro aspecto positivo reside no fato de as cotas favorecerem o convívio e a aprendizagem em um ambiente plural e diversificado - um pedaço do Brasil real. A nova elite que surgirá daí saberá dialogar e tirar o melhor das diferenças.

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